segunda-feira, 17 de junho de 2013

Um X-tudo à espera do Eike Batista

CRÔNICA DA SEMANA

Um X-tudo à espera do Eike Batista

por Anna Ramalho
anna-ramalho-jornalista


Enquanto a cidade ferve com manifestações que em outros tempos seriam meramente rotuladas como “coisas de petistas”, enquanto perplexos vemos ruir o castelo de cartas do empresário Eike Batista, o Midas do X ( e já pensando em quanto do nosso rico dinheirinho foi empenhado para que o grande magnata delirasse à vontade), me vejo derrubada por uma gripe monumental que abate, tira o ânimo e, sobretudo,  qualquer possibilidade de brilho.
É dura a vida do jornalista. Em dias como este me dou conta disso mais agudamente. O show tem que continuar, ainda que tudo o que se queira sejam colchão macio, travesseiros fofos, edredons que delicadamente abafem os calafrios. Bom, não posso me queixar, afinal trabalho do home-office, o que já me livrou por exemplo de estar no centro do bombardeio de ontem, quando o Centro virou praça de guerra. Democrata que sou, concordo com qualquer tipo de protesto, mas não posso aceitar depredação do nosso patrimônio, que já é tão vilipendiado.
Hotel Glória
Mas voltando ao Eike Batista, que continuará bilionário, apesar de rebaixado a bilionário de um dígito só. Todas as suas aventuras no mundo empresarial me são estranhas – não tenho intimidade alguma com aquela infinidade de negócios que o rapaz tem. O que está me incomodando, agora, é o que poderá acontecer ao belo Hotel Glória, marco da história do Rio.  Eu avisei que não posso aceitar malfeitos ao patrimônio da nossa Cidade Maravilhosa – e é isso que ele está fazendo ao abandonar o hotel ou quando quer construir ao arrepio da legislação vigente uma marina quase vertical no Aterro do Flamengo, a maravilha criada por Lota de Macedo Soares.
***
Conheci  o dono do Glória, o gentleman Eduardo Tapajós, que morreu trágica e prematuramente num acidente de helicóptero há cerca de 15 anos. Sou amiga da viúva dele, a querida Maria Clara. O casal morava lá, numa penthouse espetacular. Há uns 20 anos ou mais, ainda trabalhava em O Globo, uma tempestade se abateu sobre o Rio. Engarrafados na noite chuvosa, nó no trânsito, Ricardo Boechat e eu saímos da redação dispostos a enfrentar a tormenta. No meio do caminho, vimos que seria impossível chegar em casa.  O meio do caminho era o Glória, para onde partimos largando meu Opala Diplomata estacionado no canteiro do parque. Quando entramos no lindo hall de mármore, constatamos que não fôramos originais – meio Rio  de Janeiro tivera a mesma ideia. Nos hospedamos num quarto da ala nova, meio apertado, de onde disparamos telefonemas aos nossos perplexos cônjuges da época para avisar da surreal situação que vivíamos.
Ricardo Boechat, com quem vivi a aventura no Glória
O irrequieto Boechat logo arranjou um jeito de ir sassaricar pelo hotel e colher informações, naqueles tempos pré celular, pré internet, que devem parecer mais estranhos  do que filme de Gordo e Magro para as novas gerações.  Enquanto rodava pelo belo hotel, cruzou com seu dono. Quando o Tapajós soube onde estávamos albergados – um quarto meio muquifo para o esplendor do lugar – não titubeou: nos hospedou na suíte presidencial, à época a segunda casa do José Sarney. Honra seja feita ao leal Sarney, ele nunca deixou de se hospedar no Glória enquanto existiu o hotel, fosse qual fosse o cargo que estivesse ocupando. Estaria lá até hoje, na belíssima e ampla suíte toda decorada com raro mobiliário art déco, não tivesse a Maria Clara vendido o hotel para o Eike. Do jeito que a coisa vai, não sei se Sarney terá ocasião ou mesmo desejo de fazê-lo mais uma vez. Tenho cá meus receios. Pelo tempo que correrá e pelo que o velho senador encontrará pela frente.
Quanto ao Eike, bem, o Eike continuará o Eike. Louro, sarado, rico, quase um Caco Antibes, o antológico personagem vivido por Miguel Falabella, em sua primeira encarnação no Largo do Arouche. Se tudo der muito, muito errado, o Eike sempre poderá abrir uma rede de X ...tudo.

Anna Ramalho é colunista do Jornal do Brasil, criadora e editora do sitewww.annaramalho.com.br e cronista sempre que pode.

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